Nos tempos de hoje o mundo vive uma séria crise de valores, de moral, sobretudo de identidade que é reflexo do distanciamento dos valores cristãos, da verdadeira essência de tudo que nos move. O homem foi chamado à comunhão!
Na criação Deus cria o homem a partir de um sonho de comunhão. “Façamos o homem a nossa imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26). Ao lermos as Sagradas Escrituras podemos constatar isso, temos a ocorrência de pelo menos 365 vezes da expressão: “uns aos outros”, para que de uma vez por todas o homem compreenda esse chamamento.
Há um texto bíblico esplêndido onde o salmista expressa a grandeza da comunhão fraterna segundo a vontade de Deus, se trata do Salmo 132 (133):
“Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos. É como um óleo suave derramado sobre a fronte, e que desce para a barba, a barba de Aarão, para correr em seguida até a orla de seu manto. É como o orvalho do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor a vida e uma bênção eterna”.
O autor sagrado inicia mencionando sobre a beleza da fraternidade. Ela é boa. Tudo que se refere a bom se refere a Deus, a fraternidade não é boa por ser feita de homens e mulheres, que são falhos e pecadores, mas ela é boa por ser algo sonhado por Deus. Nós buscamos sempre as coisas melhores para a nossa vida porque há em nós uma sede pelo bom, pelo belo e pelo verdadeiro. Isso fala sobre a essência da nossa vida.
A humanidade desde o pecado original está em constante queda, essa queda é o afastamento da comunhão uns com os outros e a comunhão com Deus, onde a segunda reflete a excelência da primeira. A vida de comunhão é agradável e é boa, e é vontade de Deus para nossa vida. Ela é essencial para a preservação da Igreja (cf. Gl 5,15) é um testemunho ao mundo sobre Jesus (Jo 17,21).
“Para os irmãos viverem juntos…” Vemos este grupo mencionado não como um grupo qualquer, mas um grupo separado, um grupo seleto, que se refere aos irmãos que foram separados para vivenciar a comunhão em torno de Deus e com as pessoas eleitas. Essa alegria, esta comunhão se trata da Igreja. O lugar onde podemos ser abençoados.
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Ela é como um óleo suave que desce a orla de Aarão… Este segundo verso, se tratava de um óleo exclusivo, separado para ungir e tornar sagrado tudo quanto ele se derramasse. Conforme se fala em Ex 30, 25, este óleo é de tamanha importância que não poderia sob forma alguma ser falsificado. A esta comparação podemos compreender a unção de Deus em nossa vida, o mover do Espírito Santo em nós. Não podemos falsificar essa unção em nossa vida, pois fomos escolhidos para ser família de Deus. A verdadeira unção é a alegria de encontrar uns com os outros vendo Cristo em cada olhar, como território sagrado. Somos templos vivos de Deus e só na fraternidade podemos experimentar a unção plena do Espírito Santo. “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Cor 3,17). A comunhão fraterna expressa o movimento de amor na Trindade.
A outra comparação aqui contida no texto é com orvalho do Monte Hermon, que era um monte de grande relevância para o povo judeu, por representar em sua plenitude. Localizado na região da Cesareia de Felipe, com seus mais de três mil metros de altitude era um refúgio para quem buscava a Deus. Em seu alto cume produz-se muita neve. Quando o sol aquecia esta região essa água era fonte que regava as regiões baixas, além de alimentar o grande rio Jordão.
A água que desce dele é fonte de fertilidade nas bases deste rio. Mas o que este monte tem a ver com a união fraterna?
Neste Salmo 132,2 o orvalho sobre o Hermon é comparado à excelência da união fraternal. O que esse orvalho tem a ver também com comunhão? Expressa a força da Palavra de Deus no sentido de dissolver a dureza dos corações e fecundar nossa vida. Se o óleo mencionado anteriormente representa o mover do Espírito Santo que cura e transforma, aqui temos neste formoso monte a Palavra viva de Deus que é imponente, alta, mas que é viva e eficaz para nos formar na vontade Dele. A água que goteja do céu é esta Palavra na qual somos regenerados. E é através da Palavra e do Espírito que somos regenerados e nos tornamos membros do corpo de Cristo, a Igreja. A Palavra regenera, “pois, fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente” (1 Pe 1,23) e purifica “… como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da água do batismo com a palavra, para a apresentá-la a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível.” (Ef 5, 25-27).
E é essa mesma Palavra que nos conduz à comunhão: “completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento.” (Fp 2,2). Será que o apóstolo Paulo estaria ensinando aqui que para desfrutarmos da verdadeira comunhão precisaremos pensar igual? Certamente que não! O apelo aqui é pela convergência ou concórdia ou harmonia intelectual (de ideias e de ideais), sentimental e espiritual. “Rogo a Evódia e rogo a Síntique pensem concordemente no Senhor.” (Fp 4,2), “para que concordemente e a uma voz glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Rm 15,6).
A comunhão fraterna se constitui a partir da centralidade na Palavra de Deus, na Sagrada Tradição e no autêntico Magistério da Igreja. Precisamos estar firmados na verdade para não sermos levados por ideias contrárias a esta verdade. A dureza do nosso coração precisa ser dissolvida pelo poder da Palavra para assim estarmos unidos uns aos outros e em Cristo. É Ele quem aperfeiçoa todas as coisas em nós, só Nele podemos alcançar a perfeição e a santidade, mas não sozinhos. É preciso quebrar um paradigma que está se estabelecendo de viver uma fé isolada.
Que possamos investir nossa vida em estar em Cristo e com os nossos irmãos para chegarmos ao céu. Para o céu não se vai sozinho, vamos nos ajudar uns aos outros.
MARCOS SOUSA DOS SANTOS, MISSIONÁRIO CONSAGRADO NA COMUNIDADE FANUEL – ROSTO DE DEUS