“Caindo em si, ele pensou: “Quantos trabalhadores do meu pai têm comida de sobra, e eu estou aqui morrendo de fome! Vou voltar para a casa do meu pai e dizer: ‘Pai, pequei contra Deus e contra o senhor e não mereço mais ser chamado de seu filho. Me aceite como um dos seus trabalhadores.’ ” Então saiu dali e voltou para a casa do pai.” (Lc 15,17-20a)
Estamos vivendo o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia e por todo lado este atributo divino tem sido exaltado e pregado, na realidade, hoje, muitíssimos pregadores tem falado em misericórdia e tem havido um grande esforço em atrair a opinião pública para uma imagem acerca de Deus como O Misericordioso, e isso é bom até certo ponto. Digo até certo ponto porque corremos o risco de fazer uma confusão entre misericórdia e falta de critérios na justiça; sim, porque a compreensão equivocada sobre a misericórdia tem levado muitas pessoas a acreditar que tudo será perdoado sem nenhuma espécie de acerto de contas. Muitos há que, na boa intenção de aproximar as pessoas de Deus, tenta torná-Lo tão “bonzinho” aos moldes dos pais sem autoridade de nossos dias que deixam seus filhos fazerem tudo o que querem e depois ainda pagam as contas das delinqüências, tudo em nome do amor.
O juízo equivocado sobre a misericórdia é uma das características do juízo equivocado acerca do pecado. Se o pecado não é tão grave, então a misericórdia é um perdão irrestrito e sem critérios baseado apenas em amor sentimento, tudo no nível da sensibilidade e das emoções, e a única coisa com que se deve preocupar é com os erros humanos que danificam a vida da sociedade e dos projetos sociais, ou seja, o padrão de julgamento é o bem social. O social sempre acima de tudo e no final das contas é uma vida para este mundo apenas, sempre pautada pelo bem estar e o prazer, onde a preocupação é com os bons tratos aos animais e às arvores e rios, e que todos morem e comam bem e tenham tudo de que necessitam, que os casamentos se pautem pelo prazer da união e não mais por suas responsabilidades e a moralidade seja apenas pelo que faz bem segundo os padrões da atualidade, sem nenhum valor eterno e transcendente. Dentro deste mundo Deus só cabe se nunca exigir nada, se sempre perdoar tudo, se Sua obra tiver uma finalidade social e se Sua Palavra contribuir com o progresso científico e material; um Deus que “pode” existir, mas dentro destes limites de um mundo de bem estar, portanto sempre “bonzinho” e nunca exigente, sempre honrando o homem e sendo “adorado” na medida em que serve de bem estar e por isso podendo ser moldado segundo o gosto, a cultura e as invenções de cada um, e mais, um Deus que deve Se dar por feliz de ter o direito de ainda estar por aqui entre nós e não ter sido expulso de vez.
Oh, grande engano. As pessoas acham que porque convencionaram este modo de pensar a vida, terão mudado a verdade, mais triste ainda é perceber que há muitíssimos pregadores cristãos que eliminaram de seu vocabulário as palavras pecado, justiça e juízo e, assim, contradizem a obra do Espírito Santo (cf. Jo 16,8) ou quando as utilizam o fazem com um senso tão baixo acerca da misericórdia divina, que traduzem o amor de Deus como um sentimentalismo dependente de emoções descontroladas, como se Deus estivesse desesperado por cada um de nós, a ponto de fazer vista grossa aos nossos erros, perdoando-nos com um simples aceno de nossa parte em Sua direção e jamais imputando-nos quaisquer penas ou castigos. Alguém está errado, ou são todos os Santos e o Sagrado Magistério de 2000 anos juntamente com o autor sagrado de Hb 12,5a-6, que diz: “Preste atenção, meu filho, quando o Senhor o castiga, e não se desanime quando ele o repreende. Pois o Senhor corrige quem ele ama e castiga quem ele aceita como filho” ou é a nossa geração de cristãos que aboliram o sacrifício.
A misericórdia de Deus é o Seu constante agir que fere por amor a fim de salvar e por isso permite o erro e o pecado para que o homem, conhecendo o mal, faça a escolha pelo bem.
Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou a respeito da importância do arrependimento para que se encontre a misericórdia porque sabe qual é a gravidade do pecado. Sim, Ele nos ensinou na parábola do filho pródigo, que deveria ser conhecida como a parábola do filho arrependido. Nosso Senhor nos ensinou que o filho teve de sentir fome para lembrar os benefícios do pai e isso equivale a dizer que o pai amou antes do erro e deu os bens, mas precisou permitir que seu filho corresse risco de vida para que ele valorizasse os bens do pai e mais ainda o próprio pai.
O filho que vai desperdiçar sua vida no pecado só alcançará a misericórdia quando cumprir com um arrependimento perfeito e por isso o arrependimento é tão importante, sem ele não se tem os benefícios da misericórdia, mas porque muitos ensinam uma misericórdia sem critérios então privam muitas almas da salvação.
Cinco são os critérios do arrependimento para que se possa ter acesso à misericórdia:
1o. Caindo em si, ele pensou – primeiramente a conversão deve ser um ato nascido do exame de consciência. A graça de Deus ilumina a razão humana que, sabendo comparar o contraste entre os benefícios da santidade e as agruras do pecado é capaz de abandonar até mesmo algo bom por algo melhor. O exame de consciência é a ação racional interior de quem atende à Palavra e à Lei de Deus e vê que sua vida está em desacordo e seu caminho é de condenação. Iluminado pela graça conhece a gravidade do mal e pode tomar uma decisão.
2o. Vou voltar para a casa do meu pai – uma vez que a pessoa racionalmente pela graça de Deus conheceu o seu erro e sua gravidade então toma uma decisão, faz um propósito firme de sair do pecado, de odiar o pecado, de voltar-se para Deus e para uma vida nova e santa. A conversão não é um ato emocional, mas uma ação da vontade decidida que foi impulsionada pela razão iluminada, é aquela mesma força de vontade do pai de família que numa manhã fria e chuvosa de segunda-feira acorda às cinco horas da manhã e sente o aconchego de sua cama, mas se levanta porque tem filhos para criar e vai para o trabalho. Esta tenacidade é fundamental para a conversão, e um ato que supera os prazeres e se pauta por uma vontade decidida de fazer o que é certo.
3o. Vou dizer ao meu pai – Uma vez consciente do pecado e decidido em abandoná-lo o penitente tem de confessar-se, tem de abrir seus lábios e concordar publicamente com Deus, tem de apresentar-se em confissão diante do tribunal celestial e fazer um ato de confissão. Quando o pecado atentou livre e conscientemente contra os 10 mandamentos só pode ser perdoado mediante a confissão sacramental, se o pecado não teve toda esta gravidade deve ser confessado por um ato penitencial bem resoluto e bem feito na oração e na penitência. O pecado não pode ser apenas rejeitado tem de ser também confessado como tal.
4o. Não mereço mais ser chamado de seu filho – O conhecimento, a decisão e a confissão precisam estar apoiados sobre uma repulsa profunda ao mal por amor a Deus, isto é, a contrição, ou seja, o penitente precisa reconhecer que ofendeu sensivelmente o coração do Pai e deve sentir uma dor verdadeira por isso, por saber que perdeu sua filiação e que não merece mais ser aceito, deve ter dentro de si uma dor verdadeira pela gravidade do erro, não pelo erro em si, mas pela dignidade do Pai que precisa ser honrado e amado pelo filho e porque não o fez sente profunda dor. O mal é grande na medida da dignidade de quem foi ofendido, então, a alma consciente da medida do amor de Deus sabe o tamanho do mal que cometeu ao desonrá-lo e sofre verdadeira dor por isso.
5o. Me aceite como um dos seus trabalhadores – Uma vez que a resolução contra o pecado é profunda o penitente está disposto a repará-lo. Sim, é bem verdade que Nosso Senhor pagou o preço de nossos pecados e por isso agora podemos ser alcançados pela graça, mas a graça que vem a nós é a do arrependimento e da penitência, e por isto os danos que o pecado desencadeou entre nós e nossos irmãos somente podem ser satisfeitos ela penitência. Pagar o que se deve não é virtude, mas antes justiça. Cristo comprou nossa liberdade e nós agora devemos usá-la para uma vida de acertos. Se pecamos Jesus continua intercedendo por nós, mas se nos arrependemos continuamos a imitá-Lo, não tornando a pecar e pagando as penas dos males que fizemos. Tomemos cuidado com essa “graça barata” pregada por muitos, onde basta ir a uma reunião cristã de qualquer ordem e tudo estará acertado… Se assim o fosse o mundo já seria perfeito pela quantidade de cristãos que existem nominalmente; somente uma vida na justiça e no acerto das contas dão verdadeira glória a Deus.
Tudo isso que aprendemos nesta parábola torna-se brilhante quando diz que o filho arrependido, de fato, voltou para o seu pai; portanto, de nada adianta saber e decidir-se por dentro, se nada é feito em verdade. Os verdadeiros adoradores adoram em espírito, mas também em verdade, ou seja, em ações concretas de arrependimento, penitência e santidade. Aí sim o filho conheceu os beijos e abraços da misericórdia do pai, pois este só o recebeu desta forma porque ele voltou arrependido em verdade e humilde em evidência.
Deus está disposto a perdoar, devemos nos dispôr a pedir perdão verdadeiramente por um arrependimento sincero; se assim não for só nos restará justiça e juízo e o castigo será grave e eterno.
Em Cristo
Sandro F. Peres