PLANO DE ESTUDO
– Contexto geral do Concílio
– Os reformadores e o culto
– O trabalho litúrgico do Concílio de Trento
– A liturgia na época do barroco
– O iluminismo
– A restauração no século XIX
– Movimento litúrgico
DE TRENTO AO VATICANO II (1545-1962)
Estes 400 anos entre um concílio e outro, podem ser divididos em três partes:
- a) os primeiros e os últimos 50 anos se caracterizam por um intenso florescimento litúrgico;
- b) No meio estão 300 anos de imobilidade, rubricismo e uniformidade litúrgica;
- c) com o documento conciliar sobre a Sagrada Liturgia, publicado a 4 de dezembro de 1963, inicia uma nova era na liturgia.
A crise eclesial da Idade Média constitui o condicionamento histórico básico da reforma protestante. Numa situação de crise eclesial (problemas internos de extraordinária gravidade e a inovação protestante), da qual a liturgia é parte essencial, toma força no começo do século XVI a aspiração para uma reforma da Igreja “na cabeça e nos membros”.
Os reformadores e o culto
Em 1522, Lutero escreveu seu Abroganda missa privata, onde ataca não apenas a missa privada, mas o sacrifício da missa em geral. No Natal desse mesmo ano, Karlstadt celebra diante de uma grande assembleia a “missa alemã”, pronunciando o relato da instituição em voz alta e em alemão e omitindo o resto do cânon com a elevação; a comunhão foi feita sob as duas espécies e, na celebração, ele envergou vestes seculares. Dias depois, Zwilling incitou para que fossem destruídas as imagens e suprimidos todos os altares laterais. Em 1525, Lutero celebrou na igreja paroquial de Wittenberg, pela primeira vez, uma missa completa em alemão, que logo apareceu impressa e difundida em outros lugares, pois para Lutero o culto cristão é da Palavra; e esse culto da Palavra não pode ser realizado de maneira frutífera pela comunidade se a Palavra não for compreendida.
Nesta perspectiva, o Concílio de Trento assumiu como objetivo essencial a tarefa de discernir a verdade católica da doutrina não-católica, evidenciando os aspectos unilaterais e reducionistas da doutrina dos reformadores diante das fontes da fé (sola Scriptura), do processo salvífico (solus Deus, sola fides) e da concepção espiritualista e subjetiva da Igreja.
O trabalho litúrgico do Concílio de Trento
Nos três períodos sucessivos do Concílio, esteve muito presente o tema sacramental, como réplica às proposições dos reformadores. Na sessão VII (3/3/1547), e como complemento da doutrina sobre a justificação, aprovam-se os cânones sobre os sacramentos em geral, sobre o Batismo e a Confirmação. Na sessão XIII (11/10/1551), examinam-se o decreto e os cânones sobre a Eucaristia, vista da perspectiva da presença real, retorna-se ao tema da Eucaristia, desta feita sob o ângulo de sua dimensão sacrificial, fortemente combatido pelos protestantes, imediatamente depois do decreto sobre o Sacrifício da Missa, é aprovado o Decretum de observandis et evitandis in celebrationes missae, pois já no início do concílio em 20 de julho de 1547, fora formada uma comissão especial para recopilar os abusos que ocorriam no Sacrifício da Missa. Do lado dos abusos, deviam se destacar propostas concretas para a sua eliminação.
Entre os itens aprovados estavam:
– a celebração de várias missas ao dia;
– a substituição da missa dominical por missas votivas ou de mortos;
– o lugar da missa é a igreja consagrada, embora o ordinário possa admitir exceções;
– prescrições sobre a limpeza de vasos e ornamentos usados na missa;
– todos os textos recitados e cantados da missa devem ser inteligíveis aos ouvintes;
– os excomungados e pecadores públicos devem manter-se longe da missa.
No decreto que veio a ser aprovado em 17 de setembro, faz-se recair sobre os bispos a principal responsabilidade pela liturgia da missa. O Concílio que já estava reunido havia demasiado tempo, confiou ao Papa, na sessão XXV, a reforma do missal e do breviário.
A questão da língua litúrgica foi abordada na sessão XXII, abrindo uma pequena possibilidade para a língua vulgar, mas conservando a língua latina como expressão da unidade da Igreja e remédio eficaz contra as heresias:
“Embora a missa contenha uma grande instrução do povo fiel, não pareceu aos Padres que fosse conveniente celebrá-la de ordinário em língua vulgar (cânon 9). Por essa razão, mantido em toda parte o rito antigo de cada Igreja e aprovado pela Santa Igreja Romana, mãe e mestra de todas as Igrejas, a fim de que as ovelhas de Cristo não padeçam fome nem os pequeninos peçam pão e não haja quem reparta, ordena o santo Concílio aos pastores e a quantos caiba a cura de almas, que frequentemente, durante a celebração das missas, diretamente ou representados, exponham algo acerca do que se lê na missa e, entre outras coisas, declarem alguns mistérios desse santíssimo sacrifício, em especial aos domingos e dias festivos”.
Logo em seguida vieram a reforma dos livros litúrgicos. S. Pio V editou o Breviarium romanum (1568) e o Missale romanum, que deveria ser a única forma para todas as Igrejas (1570); Clemente VIII, o Pontificale romanum (1596) e o Cerimoniale episcoporum (1600) e, Paulo V, o Rituale romanum (1614). Sisto V, criou, em 1588, a Sagrada Congregação dos Ritos com a missão de vigiar para que o modo prescrito da celebração da missa e das demais partes da liturgia sejam rigorosamente observados. Inicia-se a era dos rubricistas.
A liturgia na época do barroco
O século XVII é o século barroco. A consciência católica renovada e reforçada pelo Concílio Tridentino, conta ainda com essa expressão artística peculiar, que foi denominada “arte da contra-reforma”. O grandioso, o sentimento exaltado, a “fúria heróica” caracterizam o barroco, assim como o entusiasmo da vitória e do triunfo, expresso com um vigor autenticamente criativo. O barroco encarna a consciência eufórica de ter salvo a fé e a Igreja e de estar com a verdade.
Depois do Concílio de Trento, emana do interior da Igreja católica um sentimento de segurança, uma atmosfera de triunfo e de festa invade o recinto e a expressão cúlticos. É também o século de ouro da polifonia. A música eclesiástica segue apenas critérios estéticos, deixando de lado a funcionalidade a serviço da liturgia.
A festa do Corpus Christi. A controvérsia com os protestantes acerca da presença real leva a Contra-Reforma a uma ênfase especial nesse aspecto da Eucaristia, tanto na teologia como na expressão litúrgica e popular. A festa de Corpus Christi, tem como objeto, precisamente, a veneração dessa presença sacramental como proximidade entre Deus e os homens.
Também Nossa Senhora tem um destaque especial nesta época. Multiplicam-se as grandes peregrinações marianas e as novas festas em sua honra: as festas do rosário, do nome de Maria, das mercês, do Carmo, da Imaculada Conceição, etc.
O iluminismo
Já no final do século XVII desponta o Iluminismo, uma civilização baseada no direito, na consciência individual e na razão do homem e do cidadão. Esta nova concepção empreende um trabalho inicial de demolição do antigo edifício fundado sobre a religião revelada, a hierarquia, a disciplina, a ordem e autoridade; mas, em seguida, tenta construir os alicerces da futura cidade: uma política sem direito divino, uma religião sem mistério, uma moral sem dogmas. O século XVIII confia na ciência, como poder que está nas mãos do homem para os fins do domínio da natureza, da organização do seu próprio futuro e da conquista do bem-estar e da felicidade.
No século XIX, a Igreja se depara com uma cultura em larga medida a-religiosa e anti-eclesiástica, uma cultura não cristã que se tornou pouco a pouco independente dela. Acontece uma ruptura entre a Igreja e o mundo moderno, a apostasia da classe trabalhadora e o distanciamento cada vez maior, no próprio seio da Igreja, entre as esferas hierárquicas e os fiéis mais presentes no mundo da ciência, do trabalho e da cultura.
Bento XIV (1740-1758), ainda como bispo de Bolonha, ensaiou alguma reforma, sem êxito. As liturgias das dioceses da França, que se multiplicaram de maneira anárquica ao longo do século XVIII, não receberam o assentimento da Santa Sé. O Sínodo de Pistoia – Itália (1786), restringiu-se a condenações doutrinais e à sinalização de alguns pontos a reformar no campo litúrgico, como: um só altar em cada templo, participação dos fiéis, abolição da cobrança da missa, redução das procissões, música simples, grave e adaptada ao sentido das palavras, ornamentação que não ofenda nem distraia o espírito, reforma do breviário e do missal, um novo ritual, redução de excessivo número de festas, leitura em um ano da Sagrada Escritura no ofício etc. A maioria dessas questões encontrou eco no Concílio Vaticano II.
Para a época do Iluminismo, a liturgia se reduz a um meio de educação destinado à humanização do indivíduo; mas já não é entendida como “adoração de Deus em espírito e verdade”.
A restauração no século XIX
Em reação a uma religião confinada aos limites da pura razão, o século XIX reafirma o princípio da revelação, do dogma e da tradição, assim como o respeito devido à hierarquia. Esta valorização da Tradição tem o seu reflexo na liturgia: o gosto pelas orações latinas, pelas cerimônias e rubricas, bem como o entusiasmo pela música gregoriana caracterizam essa época da restauração.
Esse movimento ainda não patrocina a participação do povo na ação litúrgica; o culto cristão chega a ser considerado como realidade intangível e misteriosa, obra perfeitíssima do Espírito, ao abrigo da toda evolução histórica, envolto pelo halo protetor da língua sagrada: a língua latina. Neste contexto, surge a figura, sob tantos aspectos meritória, do abade Próspero Guéranger (1805-1875). Adversário acérrimo das “liturgias neogalicanas” surgidas no século anterior, Guéranger exige um retorno incondicional aos livros autênticos da liturgia romana pura. Autor de grandes obras como Institutions liturgiques e L’année liturgique, D. Guéranger, no entanto, é partidário de uma explicação completa dos textos e cerimônias do culto diante do povo; segundo ele, o culto deve manter-se sempre encoberto para o povo cristão pelo véu de mistério.
A mentalidade de Guéranger pode ser condensada nas seguintes teses: a liturgia é por excelência a oração do Espírito na Igreja, é a voz do corpo de Cristo, da esposa orante do Espírito; há na liturgia uma presença privilegiada da graça; nela se encontra a mais genuína expressão da Igreja e de sua Tradição; a chave de inteligência da liturgia é a leitura cristã do Antigo Testamento, bem como a do Novo apoiada no Antigo. A Igreja como corpo e esposa de Cristo contrasta com a piedade individualista pós-tridentina que Guéranger critica.
Movimento Litúrgico e o início da Pastoral Litúrgica
No Congresso de Obras Católicas (Malines – Bélgica, 23/09/1909), foi lançado propriamente o movimento litúrgico. Seu promotor foi D. Lamberto de Beaudoin (1873-1960), que de sacerdote dedicado ao mundo operário passara a monge beneditino de Monte César; defende a renovação da vida litúrgica da Igreja.
Beaudoin deu continuidade, desenvolveu e deu novo direcionamento a obra iniciada por D. Guéranger:
1) a pastoral litúrgica nas paróquias, que impunha um raio e um ritmo de ação novos. Era necessário inspirar a piedade e a vida cristã no culto da Igreja. Para isso, cumpria promover a participação dos batizados na liturgia;
2) a difusão do Missal Popular traduzido como o livro do cristão;
3) o aumento do caráter litúrgico da piedade por meio da participação na missa paroquial;
4) a promoção do canto gregoriano segundo as orientações de S. Pio X;
5) a organização de retiros anuais para os responsáveis pela pastoral litúrgica.
A expansão do movimento litúrgico ficou um tanto paralisada no decorrer das duas guerras mundiais, voltando a propagar-se com mais vigor nos respectivos períodos pós-guerra. Em toda a Igreja, os Congressos Internacionais de Liturgia, organizados pelo Centro de Pastoral Litúrgico de Paris e pelo Instituto de Liturgia de Trier, foram preparando as bases da futura constituição de liturgia do Vaticano II.
O magistério da Igreja sobre a liturgia
Pio X se distinguiu pelo seu interesse litúrgico já antes de chegar ao supremo pontificado. Três meses depois da eleição como Papa, tornou público o motu próprio Tra le sollecitudini (1903), destinado a renovar a música religiosa e restaurar o gregoriano. Dois anos depois, promulgou o decreto Sacra tridentina synodus (1905), para fomentar a comunhão frequente, e cinco anos mais tarde, o decreto Quam singulari (1910), para promover a admissão das crianças à comunhão em tenra idade. Em 1911, publicava a constituição apostólica Divino aflanti, sobre a reforma do breviário e a revalorização da liturgia dominical. E, em 1913, Abhinc duos annos, que inspirava um novo plano de reforma profunda do ano litúrgico do breviário.
Três linhas claras aparecem no magistério litúrgico de Pio X:
1) a renovação da música sagrada, porque “não devemos cantar e orar na missa, mas cantar e orar a missa”;
2) a aproximação entre batizados e a comunhão eucarística, aplainando o caminho para a participação sacramental da Eucaristia, mesmo que a catequese oferecida acerca dessa comunhão devesse ser aperfeiçoada;
3) a reforma do ano litúrgico e do breviário.
No amplo magistério de Pio XII, se destacaram: a encíclica Mediator Dei (1947), considerada “a carta magna” do movimento litúrgico, na qual pela primeira vez o Magistério apresenta uma doutrina litúrgica completa e estruturada.
Conteúdos fundamentais do documento papal
a) A teologia da liturgia como culto público integral do corpo místico de Cristo, da cabeça e dos membros, e como presença privilegiada da mediação sacerdotal de Cristo-cabeça;
b)A espiritualidade da liturgia, a dimensão interior e profunda do culto da Igreja: “Estão inteiramente equivocados, aqueles que consideram a liturgia como o mero lado exterior e sensível do culto divino ou como cerimonial decorativo; e não estão menos aqueles que pensam ser a liturgia o conjunto de leis e preceitos com que a hierarquia eclesiástica configura e ordena os ritos”;
c)O equilíbrio teológico, não oportunista, entre: panliturgismo e subestimação do culto; piedade objetiva e subjetiva; comunitarismo e individualismo; celebração e culto da Eucaristia; progressismo e conservadorismo.
No discurso aos participantes do Congresso Internacional de Pastoral Litúrgica celebrado em Assis (1956), o Papa declara: “O movimento litúrgico surge como um sinal das disposições providenciais de Deus para o tempo presente, como uma passagem do Espírito Santo em sua Igreja, para aproximar os homens dos mistérios da fé e das riquezas da graça, que decorrer da participação ativa dos fiéis na vida litúrgica”.
Pio XII ainda atuou na instrução sobre a formação do clero no ofício divino (1945); a extensão ao sacerdote, em alguns casos, da faculdade de confirmar (1946); a multiplicação dos rituais bilíngues (1947); a reforma da vigília pascal (1951) e do jejum eucarístico (1953 e 1957); a reforma da Semana Santa (1955); lecionários bilíngues (1958). A obra litúrgica do Papa Pacelli é coroada, em 1958, com a Instrução sobre a música sagrada e a liturgia, nos termos da encíclica Musicae sacrae disciplinae.
BIBLIOGRAFIA:
ROPS, Daniel, A Igreja da Renascença e da Reforma (II), tomo V, Trad.: Emérico da Gama, São Paulo, Quadrante, 1999.
TUCHLE, Germano e BOUMAN, C.A Trad.: Martins, Waldomiro Pires. Nova História da Igreja, tomo III, Reforma e Contra-Reforma, Petrópolis, 1971.
ZAGHENI, Guido. A idade moderna: curso de história da Igreja III. São Paulo: Paulus, 1999.