“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto. Ali ele foi tentado pelo Diabo durante quarenta dias. Nesse tempo todo ele não comeu nada e depois sentiu fome. Então o Diabo lhe disse: — Se você é o Filho de Deus, mande que esta pedra vire pão.” (Lc 4, 1-3)
Na luta contra o demônio existe um embate muito grave que se configura em torno do pão. A primeira tentação que o Maligno fez a Nosso Senhor foi exatamente esta, sugeriu-lhe de fazer pedras tornarem-se pão para Lhe satisfazer a fome natural durante o jejum.
Habitualmente isto é compreendido pela ótica das posses materiais, na verdade, tradicionalmente tem-se interpretado desta forma, pelo menos até onde eu tenho conhecimento e de tantas homilias e palestras nas quais ouvi esta linha interpretativa.
Não há dúvidas de que o ser humano é tentado pelo Diabo para possuir além do que precisa usando de todo e qualquer meio para este fim; é também bem verdade que Nosso Senhor, em Sua penitência de quarenta dias, estava assumindo as tentações humanas e vencendo-as para dar-nos exemplo e poder de fazer o mesmo. Mas eu gostaria de refletir com você sobre esta perspicácia maligna em tentar Nosso Senhor acerca da fome.
O texto sagrado nos diz que Jesus teve fome e então o Inimigo ofereceu-lhe a proposta de fazer pedras vivarem pão. Primeiramente vamos perceber que o adversário de nossas almas aparece com suas tentações aplicadas sobre nossas necessidades legítimas e aqui vale um discernimento apurado, pois em meio às necessidades nós podemos nos perder, sim podemos colocar em cheque nossos valores morais e religiosos e nos inclinar a crer que os fins justificam os meios, ou seja, vale tudo para satisfazer uma necessidade. Claro que precisamos primeiramente distinguir necessidade de prazer e saber o que realmente precisamos daquilo que apenas gostaríamos de ter. Mas no caso da tentação no deserto a necessidade atingida pela proposta indecente é aquela mais básica do homem para a sobrevivência material, matar a fome.
A resposta de Nosso Senhor é tão elevada que, lida rapidamente, pode não ser percebida em toda a sua profundidade. É preciso observar a vida e o ministério do Senhor Jesus para se entender porque o Diabo sugeriu e para entender porque Nosso Senhor respondeu como respondeu.
Se formos à outra passagem nosso espírito pode se iluminar: “— Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede.” (Jo 6, 35). Nosso Senhor está em meio a uma nova forma de tentação, está diante da necessidade material das pessoas que Nele criam e O seguiam. Ele havia feito o milagre da multiplicação dos pães e alimentado uma multidão, mas ali Ele estava dando um ensinamento eterno e falando de algo muito maior que comida material, porém a necessidade das pessoas era real, o povo era pobre, muitos paupérrimos, havia crianças, idosos, enfermos, gente sofrida e necessitada de comida mínima para sobreviver. Os adeptos de uma Igreja “libertadora” adoram enxergar nisto uma proposta social, e por vezes socialista, do Evangelho, mas aqui está a chave do discernimento.
As necessidades materiais são reais e justas, comer é fundamental, mas nem só de pão vive o homem. Então vive de que mais? Sim alguns pensariam dizer outras necessidades e tentariam colocar na boca do Divino Mestre palavras como: emprego, moradia, saneamento básico, justiça social… claro que isto está no universo de cada dia e que Deus nos fez e colocou neste mundo para uma vida natural sadia e suprida, mas existe uma necessidade maior do que a necessidade aparentemente mais premente que é alimentar-se para sobreviver.
O homem vive não só de pão material, mas vive mesmo de um pão descido do céu: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer desse pão, viverá para sempre. E o pão que eu darei para que o mundo tenha vida é a minha carne.” (Jo 6, 51). Quando Nosso Senhor respondeu a Satanás na tentação do deserto, Ele estava dizendo que veio para trazer a vida eterna e verdadeira, e não para trazer soluções para uma vida que se acaba com fome ou com a barriga cheia.
O mundo de nossos dias se torna cada vez menos cristão e cada vez se aumenta mais o interesse por resolver os problemas com as necessidades materiais, até mesmo de muitas mentes religiosas. Parece um sinal evidente de que quanto mais cresce o interesse por um mundo mais justo e fraterno tanto menos é o interesse pela vida eterna e assim o meio pelo qual Nosso Senhor instituiu a forma de saciar a fome mais profunda do homem vai caindo no esquecimento, vai sendo cercado de indiferença. Sim, a Santa Missa é o meio pelo qual o ser humano é suprido do pão que dá a vida verdadeira, mas muitos dela participam mal sem peso de consciência, tratam-na como um ritual de oportunidade de expressar ideias socialistas.
O fato é que muitíssimos já perderam a fé e outros tantos vão pela larga estrada, altares são profanados e a Sagrada Eucaristia é consumida indevidamente sem considerar-se a eternidade que comporta.
Estará o diabo em nossos dias nos seduzindo a crer que Nosso Senhor veio fazer de pedras pães? Será que o pão verdadeiro está sendo ignorado para nosso próprio prejuízo? Parece que as pessoas acreditam sim em vida eterna, agora neste mundo. Tratam a vida e as coisas como se não fossem morrer e todos os dias enterram alguém sabendo que logo serão chamados, mas fazendo de tudo para se esquecerem desta realidade. Poderá um mundo politicamente correto e uma sociedade mais justa salvar na hora do juízo particular? Estarão as almas supridas do alimento da eternidade o suficiente para fazerem ultima travessia?
Pense nisso, veja como você está se alimentando do pão verdadeiro e se não está comendo pedras em lugar de eternidade.
Em Cristo
Sandro F. Peres