Um fato ocorrido nos últimos dias gerou debates antagônicos entre vários setores da sociedade. Trata-se do incêndio que praticamente destruiu a Catedral de Notre Dame, em Paris, França.
Se por um lado, para os católicos existe a dor da destruição de um local e símbolo da presença eclesial naquele país (que foi a primeira nação cristã da Europa), por outro, para os governantes e historiadores existe a perda histórica (mais de 800 anos), mas, para tantos outros não existe nenhum tipo de sentimento, nenhuma expressão de valor.
Dias depois do incêndio, várias pessoas e instituições logo declararam doações de valores altíssimos para a reconstrução do edifício e isto gerou uma série de críticas nos meios de comunicação e redes sociais. Manifestações exaltadas, contestando porque direcionar tamanho recurso para a reconstrução de um edifício vazio e não para saciar a fome de pessoas com necessidade em países com crises humanitárias.
Deixando de lado os fatores sociais – os quais a Igreja Católica, através de diversos organismos e instituições, atua exemplarmente prestando socorro direto – me propus a refletir porque o homem pós-moderno não dá valor aos símbolos, pois é exatamente isto que o edifício da Catedral de Notre Dame de Paris significa. Um símbolo da presença de Deus e seu Cristo na história europeia através da Igreja Católica.
Gostaria de discorrer sobre o assunto apontando algumas chaves para o entendimento do abandono destes valores:
1 – OS SÍMBOLOS
É muito comum que as religiões estabeleçam seus próprios símbolos, estes, essencialmente, são criados com o objetivo de relacionar a humanidade com a espiritualidade e seus valores morais. Muitas delas possuem narrativas, tradições, simbolismos e histórias sagradas que se destinam a dar sentido à vida ou explicar a sua origem e do universo. Isto expressa uma necessidade do ser humano, que é um ser simbólico.
Existem símbolos com significados profundos dentro de um determinado contexto histórico e cultural. Quando abraçados com ardor, manifestam e alimentam o respeito e o despertar de energias inesperadas. É o caso da bandeira ou do hino nacional de um país. Por isso mesmo até as crianças, quando participam de uma cerimônia cívica, ao hastear da bandeira e ao canto do hino nacional levam inconscientemente a mão ao peito. Ter sobre seu caixão a bandeira é uma das maiores honras que podem ser concedidas a quem deu a vida pela pátria.
Outros símbolos apontam para um nível ainda mais profundo,tentando traduzir convicções e valores que se apresentam como indissociáveis para a sobrevivência de uma instituição ou cultura; expressam a identidade profunda. Particularmente profundos são os símbolos religiosos, por mais simples que possam parecer. E esses símbolos apresentam variáveis, mas sempre ultrapassam o nível do que se visualiza e apontam para uma dimensão transcendente.
No caso daquelas inúmeras nações e das incontáveis regiões que foram evangelizadas pelo cristianismo, um dos símbolos mais expressivos é o do Cristo crucificado e dos grandes templos para o culto católico. Por isso,mesmo onde a modernidade e o materialismo se impuseram com furor, ninguém ousa tocá-los.
2 – EUROPA, RETRATO DO MUNDO
A marcha da Europa em direção a uma sociedade pós-cristã tem sido nitidamente ilustrada por pesquisas que mostram que a maioria dos jovens em uma dúzia de países não segue uma religião.
A pesquisa com jovens de 16 a 29 anos descobriu que a República Tcheca é o país menos religioso da Europa, com 91% desse grupo dizendo que não tem filiação religiosa. Entre 70% e 80% dos jovens adultos na Estônia, na Suécia e na Holanda também se classificam como não religiosos. O país mais religioso é a Polônia, onde 17% dos jovens adultos se definem como não religiosos, seguidos da Lituânia com 25%.
No Reino Unido, apenas 7% dos jovens adultos se identificam como anglicanos, menos que os 10% que se classificam como católicos. Jovens muçulmanos, com 6%, estão prestes a ultrapassar aqueles que se consideram parte da igreja estabelecida no país.A religião na Europa está “moribunda” e o cristianismo como padrão, como norma, se foi e provavelmente se foi de vez.
3 – O HOMEM DA PÓS-MODERNIDADE
Vivemos o tempo da novidade. O “novo” coordena, ordena e altera tudo. Se conjuga com “moderno”. É moda. É bom. É pós-moderno.
É um tempo de mudança, de crise, de morrer ao tradicional, de abandonar o velho e abraçar o novo, de quebrar paradigmas e estabelecer novas formas de vida e valores. É tempo de ser diferente, de inventar diferenças e conviver pacificamente com o diferente. Do “ser do contra” passamos ao “amar o contrário” e, hoje, somos “neutros diante das diferenças”.
A essência das coisas não importa, só é quente o superficial, e a vida pode ser comparada a um coquetel, onde tudo pode ser experimentado, mas tudo está desvalorizado.
Centrado em aproveitar bem o momento e consumir, em se interessar por tudo e, ao mesmo tempo, por não se comprometer com nada, o “homem light” ajeita tudo. Para ele, tudo é transitório, passageiro e assim até a fé e a vida conjugal se tornam lights. O lema é não exigir muito e alcançar uma tolerância absoluta. Não existem desafios, nem metas heróicas e grandes ideais, nem um esforço ou luta contra si próprio.
O homem moderno é sumamente vulnerável. Embora seja atraente, dinâmico e divertido, é um ser vazio, sem idéias, evasivo e contraditório. Rebela-se contra todos os estilos de vida reinante. Sempre bem-informado, mas com escassa formação, perde-se no folclórico e, diante de tantas notícias, cria uma espécie de mecanismo de defesa, ficando insensível e como não tem critérios sólidos, o “homem light” é superficial e aceita tudo. Geralmente não tem um projeto de vida e lhe interessa ter, possuir, comprar mais e consumir loucamente. Compra coisas e depois se arrepende. Fabrica sua verdade de acordo com suas preferências, escolhendo o de que gosta e rejeitando o que não lhe agrada.
Sua ideologia é o pragmatismo. Sua norma de conduta é a vigência social, as vantagens que leva, o que está na moda. Sua ética se fundamenta na estatística, substituta da consciência. Sua moral, repleta de neutralidade, carente de compromisso e subjetividade, fica relegada à intimidade, sem se atrever a sair em público. Tudo é suave, ligeiro, sem riscos; somente faz algo com garantia. Em sua vida, não há rebeliões, pois sua moral se converteu numa ética de regras de urbanidade ou mera atitude estética.
É frio, não acredita em quase nada, suas opiniões mudam rapidamente e deixou para trás os valores transcendentes. Busca o prazer e o bem-estar a qualquer custo, além do dinheiro. Para ele tudo é descartável, inclusive as pessoas. Passa por cima de tudo e de todos para buscar a fama, o sucesso, o triunfo. Vive unicamente para si, para seu prazer, sem restrições, por isso é infeliz, assume a marca da indefinição, do inconstante, da versatilidade.
O homem moderno é secularizado e não procura acabar com Deus e as formas religiosas. Simplesmente desloca para o universo amplo de realidades que o circunda. Não é Deus, não é o universo, mas ele é o centro. Tudo passa a existir e ter valor enquanto serve de resposta às necessidades e desejos. Para este, a técnica aperfeiçoa a natureza e a molda para os fins e interesses humanos, e consequentemente abandona o simbolismo, a essência das coisas, a sacralidade, onde o protagonismo humano tende a estabelecer um novo ordenamento moral.
4 – CONSEQUÊNCIAS
A moral cristã, a partir da sua compreensão e valores, estabelece alguns desajustes neste esquema moral do homem moderno:
a) moral sem pecado: o generalizar-se do estilo de vida que despreza o sentido da culpa e do pecado;
b) moral de situação: a implantação do relativismo que estabelece as circunstâncias, a subjetividade e a privatização como caminho de realização moral;
c) moral neutra: total dissociação entre religião e ética que esvazia tanto a moral quanto a própria fé;
d) moral pragmática e utilitarista: estabelecimento de valores somente a partir de uma necessidade prática e em vista da própria utilidade;
e) moral hedonista: a tendência a identificar o valor ético a partir do prazer e satisfação que produz.
Como o homem é um ser religioso por princípio (cf. CIC, 26), existe nele uma necessidade de retorno ao sagrado, mesmo que seja ao esotérico, ao demoníaco e o culto ao mal. São fenômenos da pós-modernidade a volta de formas religiosas e crendices consideradas ultrapassadas e infantis que vem com novas forças e novos ares, onde na verdade, o que existe é a formação do “coquetel religioso”.
Vivemos a religião “à la carte”, de tipo “selfservice”, numa mistura de vários aspectos que mais interessam e satisfazem as exigências e necessidades momentâneas. Na busca do sentido da vida, cria-se o deus e a religião pessoal.
5 – CONCLUSÃO
Nisto se principia o desprezo ou indiferença pelos símbolos, nacionais ou sagrados, pela história e valores e leva o homem à um vazio existencial profundo, levando toda uma sociedade ao desprezo de valores primordiais, quebras de vínculos históricos e familiares.
Como remédio para esta crise que se agiganta, o homem é chamado à intimidade santa com o Senhor Jesus pela Sua Igreja. “Vinde, comei” (Jo 21,12) implica participar da mesma mesa e da mesma comida e nos dá a visão da união com o Senhor Jesus, por que a única comida com a qual podemos nos banquetear, ao comer com Jesus, é Ele mesmo. “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele” (Jo 6,56). Também é um convite para desfrutarmos de comunhão com os santos. Aproximemo-nos de Jesus, e perceberemos que estamos cada vez mais unidos a todos os que são sustentados pelo mesmo Maná Celestial. Olhar para Cristo significa viver; mas também para ganhar poder para servir a Cristo, é preciso vir e comer.
Sergio Luiz Barbosa – Consagrado da Comunidade Fanuel, Rosto de Deus.
Referências bibliográficas
FEATHERSTONE, Mike. O desmanche da cultura. Globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: Studio Nobel, 1997
BENEDETTI, Luiz Roberto. Religião: crer ou consumir? Revista Vida Pastoral, jul./ago. 2000.
BARTH, Wilmar Luiz. O homem pós moderno, Revista Eletrônica PUC.
Stephen Bullivant, professor de teologia e sociologia da religião na Universidade St. Mary, em Londres. Relatório da Pesquisa social europeia 2014-2016.